A polêmica em torno da base de cálculo de impostos e contribuições sociais parece não ter fim desde que o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS, porque o ICMS não sendo mercadoria não poderia ser objeto de faturamento que é o fato gerador da referida contribuição social (RE nº 240.785-MG, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 16-12-14).
Na época ninguém ou poucos vislumbraram a possibilidade de surgir demandas em cadeia envolvendo esse tema. Se o ICMS não pode compor a base de cálculo da COFINS, o ISS, igualmente, não pode ser incluído na base de cálculo da COFINS. De fato, o ISS não é mercadoria e nem serviço, mas um imposto, pelo que nem poderia ser incluído na base do cálculo do próprio ISS, como vem prescrevendo a legislação municipal em geral. E mais, o ICMS não pode ter na sua base de cálculo o valor da COFINS que não é mercadoria, nem incidir sobre si próprio. A CSLL – Contribuição Social Sobre Lucro Líquido – deveria ser excluída da base de cálculo do imposto de renda, porque ela não representa um acréscimo patrimonial, que é o fato gerador do IR. Pelo contrário, a CSLL é uma despesa paga pelo contribuinte. Ai a jurisprudência afirma que a CSLL é uma despesa não operacional e, portanto, deve ser incluída na base de cálculo do IR. Ora, o raciocínio que deveria prevalecer, para guardar coerência com o caso decidido no RE nº 240.285 consiste em saber se algo que não expressa o elemento nuclear do fato gerador do ICMS, ou seja, uma despesa representada pela CSLL paga pelo contribuinte, pode ou não integrar a base de cálculo do IR.
Quando se decide sem os parâmetros jurídico-constitucionais, apegando-se às noções extrajurídicas, não se pode fixar uma tese jurídica que se harmonize com a ordem jurídica global. Vai-se decidindo caso a caso à luz do entendimento subjetivo de cada julgador em determinado momento, ocasionando os conflitos jurisprudenciais atualmente existentes, difíceis de serem superados.
Na área do ISS, por exemplo, o Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a constitucionalidade da legislação de Barueri que prescreve a exclusão da base de cálculo do imposto municipal de todos os valores pagos a títulos de tributos federais (IR, CSLL, PIS / COFINS), além das receitas consideradas de terceiros para as atividades de leasing, construção civil, planos de saúde e agências de turismo.
Levada a questão ao STF, este entendeu que a discussão de matéria envolvendo o exame de legislação municipal foge da competência daquela Alta Corte de Justiça do País.
Entretanto, na ADPF nº 190, o STF julgou inconstitucionais as leis do Município de Poá que permitiam excluir da base de cálculo do ISS o valor do bem arrendado nas operações de leasing sob o fundamento de que fere o pacto federativo e afronta o art. 88 do ADCT que fixou alíquota mínima de 2% enquanto a matéria não for disciplinada em lei complementar. Ao que tudo indica, a Corte fez cálculos aritméticos para concluir que a exclusão do valor do bem arrecadado equivaleria à aplicação de uma alíquota inferior a 2%.
Na verdade, não mais existe a chamada alíquota mínima de 2% que o art. 88 do ADCT fixou até o advento da nova lei de regência nacional do ISS.
Ora, a Lei Complementar nº 116/2003, como se verifica do art. 156, § 3º da CF, não cuidou de fixar as alíquotas mínimas, nem de regular a forma e condições para outorga de isenções e demais incentivos fiscais. Limitou-se a regulamentar apenas a não incidência do ISS na exportação de serviços (art. 2º) e fê-lo de forma defeituosa como apontado em nosso livro[1]. É imperioso concluir, portanto, que cessou a vigência do art. 88 do ADCT que fixava temporariamente a alíquota mínima em 2%. Por ora, o que há de concreto é o PLC de nº 386/12 de autoria do Senador Romero Juca que fixa a alíquota mínima do ISS em 2% e inverte o local de pagamento do imposto sempre que o prestador do serviço vier a prestar o serviço em outro Município onde a alíquota for inferior a 2%, sem prejuízo de sanções da Lei nº 8.429/92, que passa tipificar como ato de improbidade a redução da alíquota para patamar inferior a 2%, direta ou indiretamente.
Esses conflitos retromencionados ocorrem porque as decisões não procuram examinar o conceito de preço das mercadorias ou de serviços.
Preço é o valor que o vendedor cobra pela venda de mercadoria ou pela prestação de serviço. Nele estão obrigatoriamente embutidos os custos com a matéria-prima, as despesas com a folha, com os aluguéis, com as tarifas de energia-elétrica, de água, de telefones etc., além da margem de lucro. Todos os tributos indiretos compõem necessariamente o custo das mercadorias ou dos serviços integrando, portanto, os preços respectivos.
A única forma de obter o resultado pretendido pelos tribunais é proibindo a inclusão do valor de um tributo na base de cálculo de outro tributo, ou na sua própria base de cálculo, isto é, procedendo à tributação por fora, como nos Estados Unidos, Japão e outros países aonde a possibilidade de sonegação fiscal praticamente não existe, porque o consumidor paga separadamente o que é do comerciante ou do prestador de serviço, e o que é do fisco com devido registro no momento da operação. Para tanto bastaria tão somente acrescentar o § 8º ao art. 150 da CF nos seguintes termos:
“§ 8º É vedada a inclusão do valor do tributo na sua base de cálculo, bem como na base de cálculo de outros tributos”.
A inserção desse parágrafo limparia o Judiciário com milhares de demandas envolvendo a exame de cada caso concreto para verificar o que pode ser excluído e o que não deve ser excluído da base de cálculo, tudo ao sabor da situação conjuntural do momento. Mas, seria uma solução simples demais que entre nós não é aceita com facilidade. Toda lei há de ter um componente nebuloso que permita “n” interpretações conforme as circunstâncias do momento. É a nossa cultura jurídica, de difícil reversão. Afinal, temos órgãos judiciais de sobra para cumprir a tarefa de bem aplicar a lei a cada caso concreto procedendo-se a uma laboriosa e cansativa missão de interpretar o cipoal de normas dispersas, confusas, nebulosas e caóticas.
Leis claras, como a Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional), a Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) e a Lei Complementar nº 116/2003 (Lei de regência nacional do ISS) ou são ignoradas, como aconteceu nos últimos anos com a LRF, ou então têm sua aplicação no sentido de inovar as disposições legais vigentes, como vem acontecendo com as últimas leis complementares. Esse fato vem mantendo permanentemente o estado de insegurança jurídica, porque enquanto a vontade da lei não se altera, a vontade do intérprete altera-se a todo instante, mesmo mantendo o idêntico quadro de julgadores. Imagine-se, então, quando há uma renovação considerável no quadro dos Tribunais Superiores, oportunidade eu até Súmulas são revogadas.
por Kiyoshi Harada - Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
[1] Cf. ISS doutrina e prática, 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2014, p. 77.